APRESENTAÇÃO

“A TERRA DE QUE A GENTE GOSTA” é expressão que nos agrada. É sentida e é profunda, e é adotada como a ideia força de “TomarOpinião”.

Pretendemos oferecer críticas construtivas e diversificadas sobre os valores, as coisas e as atualidades da nossa terra, e não só. Pretendemos criar um elemento despertador de consciências e de iniciativas de cidadania, e constituir uma referência na abordagem descomprometida desses valores, dessas coisas e dessas atualidades.

Queremos, portanto, estimular o debate, de temas e de ideias, porque acreditamos que dele podem resultar dinâmicas de cidadania, que alicercem mudanças que por certo todos aspiramos.

“TomarOpinião” será um blogue de artigos de opinião e um espaço de expressão livre e responsável, diversificada e ampla.

tomaropiniao@gmail.com


domingo, 23 de outubro de 2016

TOMAR É A MINHA REPÚBLICA

Carlos Trincão

Tomar é onde a calma das manhãs tem coisas que a pressa dos dias não permite descortinar. É por isso que só às vezes, quando os olhos, o acaso e a Alma se encontram num mesmo instante, vemos o que está sempre à nossa frente...
A minha cidade é uma viagem no tempo que pode começar logo de manhã, quando acordo e olho a silhueta do Castelo. Ali se guardam os antigos segredos templários; e, no Convento e em cada claustro, novas razões para uma atenção redobrada às preciosidades reconhecidas como Património Mundial, onde espreita a Janela do Capítulo, janela do mundo aberta para a cidade e para o mistério. Ou janela da Cidade a abrir caminhos ao Mundo?
Cidade-Jardim, assim também se chama, a dar a certeza de que aqui sempre a Natureza e o Homem viveram em harmonia. Dir-se-ia que as pedras monumentais, a água e as plantas conjugaram esforços para aqui fazer um lugar de sonho que também se descobre nos pormenores, nas janelas e portais, na serena presença dos antepassados, nas mãos do Povo que enchem as ruas de cor e perfume.
A cidade descobre-se logo pela manhã, ao lado do Nabão a imaginar-lhe o cheiro depois de atravessar a cidade de uma ponta à outra debaixo de um sol danado de bom que vem em força entrando de supetão pelas pessoas dentro.
O rio é um poema serpenteante quando atravessa a cidade. E é também Paz, Tranquilidade, Trabalho e Lazer. No centro, envolve a ilha do Mouchão num abraço ritmado pelo chiar melodioso da Roda árabe.
As minhas histórias do (e no) Nabão são quase mais as da vontade de as ter tido do que outra coisa. Algumas houve a bordo – ou fora de borda – daqueles botezecos de remos e aluguer. Houve outras à borda. Mas as que mais se recordam são as estórias virtuais que uma vida sempre sempre ao lado do rio foi criando: um gosto desmesurado pelo Rio, um desejo muito grande de ser parte disto tudo, uma inveja enorme das aventuras no Rio de outros mais velhos que por aqui folgaram na sua juventude.
Chamem-se-lhe socalcos no rio e a imagem é bem conseguida. Antigamente o Nabão podia muito bem ser uma sucessão de espelhos de água que cada açude de estacaria represava. Desciam o rio, alimentando as terras e as indústrias; chegavam a Tomar e continuavam a alimentar terras e indústrias; e prosseguiam depois, voltando a alimentar terras e indústrias.
Com os açudes casavam as rodas de rega, autênticas pontes ligando as águas às terras. Conta “Nini” Ferreira que “a água encaminhava-se para os canais das rodas em forte corrente. Corria e batia nas penas das rodas. Empurrava-as. A frente das penas, atados nas cintas exteriores iam os alcatruzes que mergulhavam, enchiam, subiam, despejavam nos “tabuleiros” e lá seguia a água para o “calheiro real” e, daí, por canos ou aquedutos. E, assim, chegava a água a hortas e pomares.” Ao som de bucólicas chiadeiras e rangidos das madeiras.
As terras eram – e são – férteis à beira-rio. Nem podiam queixar-se da água com que as rodas as refrescavam. E assim era. Roda após roda. Chiadeira atrás de chiadeira.
Açude após açude. Rápido após rápido. Mouchão após mouchão, ilhas de verdes e frescuras entre o rio e o canal. Como o Mouchão do centro da cidade, este agora em versão de substantivo próprio. Atravessa-se o pontão e esquece-se a urbe. Entra-se numa autêntica catedral de recolhimento a que não faltam sequer imensas colunas a suportar românticos arcos góticos de plátanos, ao mesmo tempo tecto e vitral por onde a luz se entremeia com a folhagem.
Águas de Tomar não são só as do Rio. Também o Mar nos percorre as veias desde tempos imemoriais: desde os tempos em que os Papas eram Bispos de Tomar, desde os tempos em que a igreja de Santa Maria do Olival, não apenas panteão templário, foi matriz da grande diocese que foram as terras descobertas e cujo governo espiritual era responsabilidade dos Sucessores de Pedro. Ou ainda desde aqueles tempos em que Gama, o Almirante das Índias, aqui recebeu a dignidade de Cavaleiro de Cristo directamente das mãos do próprio Rei D. Manuel.
Há até quem diga que o Tesouro dos Templários ainda aqui está escondido; outros, que o que aqui esteve foi apenas um nono desse tesouro; um nono que um cavaleiro português ao serviço do Rei Dinis recebera de Jacques de Molay, em Paris, na véspera da prisão do Mestre dos Mestres; um nono do Tesouro Templário que mais não era do que os mapas marítimos que Henrique, o Navegador e Pai dos Descobrimentos, utilizou para reencontrar o Mundo.
Mas isso são sonhos! Apesar de ser um lindo sonho pensar que a parte do Tesouro que nos coube foi o Conhecimento, não é? Aliás, beleza é o que aqui não falta: quando as mãos do Povo acariciam as matérias rudes, o resultado é sempre uma preciosidade, seja para o paladar ou para os olhos, de tal modo que a Arte de florir as ruas prossegue dentro de casa, florindo os lares com as flores da Natureza.
As mesmas flores cujas pétalas celebram Santa Iria, em Outubro: da Ponte Velha, flutuando na água, pintam-se o Nabão e a Memória com pontinhos de cor.
Flores que se repetem na Festa dos Tabuleiros, a Alma dos tomarenses, com o cheiro das flores, do pão e das espigas de trigo nos tabuleiros que vão à cabeça das raparigas vestidas de branco. Uma festa em que todas as artes e devoções se unem num imenso louvor e em que os tomarenses se unem num único e imenso abraço.
É isto que se faz pela manhã: beber a magia desta cidade, uma magia que não se entende porque apenas se sente. Magia feita de Ruas, de Mouchão, de Castelo, de Festa.
De bocados de cidade que já não existem mas ainda se recordam. Afinal, tudo é mais de sentir do que de ver.

E à noite, quando as sombras sussurram mistérios, há sempre uma luz que nos indica caminhos.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.